Os picanços são passeriformes insectívoras com um bico em forma de gancho caraterístico, que faz lembrar uma ave de rapina.
O Picanço-real é uma espécie nidificante residente que mantém um território bastante vasto ao longo do ano. As aves jovens e algumas fêmeas adultas dispersam após a época de reprodução e ocorrem aqui e ali longe dos locais de reprodução. Pensa-se que os machos adultos permanecem sempre no seu território e, frequentemente, as fêmeas adultas também. A sua alimentação é constituída por grandes insectos, especialmente escaravelhos, pequenos répteis, ratos e musaranhos e pequenas aves. O Picanço-real escolhe zonas com sebes ou ilhas de vegetação numa paisagem aberta, muitas vezes com poucas ou nenhumas árvores. Os arbustos espinhosos e as cercas de arame farpado são também importantes, pois fornecem os espigões que utiliza para empalar as suas presas, uma atividade pela qual é conhecido. Caçam a partir de um poleiro de observação, uma necessidade fundamental, sendo exemplos típicos uma pequena árvore isolada, um poste ou um fio telefónico.
Para além de uma pequena população no sul de França, este picanço é um endemismo ibérico, ocorrendo em Portugal e Espanha em zonas com influência do clima mediterrânico. Evita os cobertos florestais contínuos e as zonas de agricultura moderna intensiva e está praticamente ausente do noroeste ibérico, mais atlântico. De acordo com as últimas estimativas, o Picanço-real está em declínio em Portugal, mas em Espanha está atualmente classificado como espécie ameaçada (EN). De acordo com o programa espanhol de recenseamento de aves, Sacre (SEO/BirdLife, 2019a), sofreu um declínio populacional de mais de 70% entre os anos de 1998 e 2018, o que faz com que seja a passeriforme que apresentou o declínio mais acentuado e contínuo em Espanha. Parece lógico sugerir que o declínio em Portugal é talvez mais grave do que se pensa e, por isso, o Picanço-real deve ter a sua preocupação de conservação mais evidenciada.
Nos últimos 20 anos, ou mais, o seu desaparecimento de muitos sítios antigos no Algarve tem sido contínuo. Embora ainda se encontre disperso pelo Algarve, ocorre em baixa densidade, estando ausente da maior parte da região. Teme-se que o seu declínio continue e que em breve possamos estar perante mais uma espécie em estado de ameaça no Algarve. A área abrangida por este projeto é maioritariamente constituída por habitat ideal e sempre foi uma referência para quem quer ver esta espécie, apesar de, devido aos seus grandes territórios, a população ser reduzida. Nunca foi uma ave comum e, nos últimos anos, tem-se notado uma maior dificuldade em encontrá-la, com o desaparecimento de alguns casais.
Por estas motivos é importante sabermos quantos casais reprodutores temos atualmente, de forma a avaliar a importância que a área de estudo do projeto tem para eles e, no futuro, facilitar a avaliação das tendências populacionais. Esperamos que o nosso projeto consiga contribuir para a sustentabilidade da agricultura tradicional de pastoreio de sequeiro que a comunidade agrícola local se esforça por manter. Sem isso, várias aves de interesse para a conservação, como o Picanço-real, perderão um importante reduto. Se algumas pequenas iniciativas de gestão do habitat pudessem ser levadas a cabo pela comunidade agrícola para seu benefício justo e proveitoso, talvez estas populações de aves pudessem ser asseguradas ou mesmo aumentadas.


