A Gralha-de-bico-vermelho é o principal foco do projeto “As Aves dos Pastores”.
A Gralha-de-bico-vermelho é um membro único e carismático da família dos corvos e é de longe a mais escassa das sete espécies que se reproduzem em Portugal. O seu bico curvo, de um vermelho vivo e marcante, distinguem-no, assim como as suas exigências de habitat muito particulares. De forma notável, estas aves gregárias dependem inteiramente de dois tipos de habitat: pastagens curtas e extensas para se alimentarem e falésias ou escarpas próximas com cavidades adequadas para nidificarem e se abrigarem. A Gralha-de-bico-vermelho é o principal foco do projeto “As Aves dos Pastores”.
Esta especialização de habitat significa que a gralha-de-bico-vermelho tem uma distribuição marcadamente fragmentada e, em Portugal, está confinada a cinco núcleos interiores muito pequenos nas regiões norte e centro e apenas um no sul. Estas estão divididas em 4 localizações em montanhas ou desfiladeiros no extremo norte, sendo a mais importante delas no Parque Natural do Douro Internacional. A maior e mais estudada população do país encontra-se na região centro, no Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros. No entanto, parece que a população meridional de gralha-de-bico-vermelho que vive no concelho de Vila do Bispo é de facto próxima em tamanho e, portanto, também de grande importância nacional.
A mais recente estimativa populacional de Gralha-de-bico-vermelho para Portugal, publicada no recente III Atlas das Aves Nidificantes de Portugal (2016-2021), aponta para apenas 100-300 casais, sendo provável que se situe mais próxima do limite inferior deste intervalo, desconhecendo-se a sua tendência populacional. As estimativas aproximadas dos últimos 20 anos variam entre 15 e 40 casais no concelho de Vila do Bispo, desconhecendo-se o número exato de casais. Tornou-se claro que esta população sofreu um certo declínio nos últimos 20 anos, embora, mais uma vez, os dados sejam escassos.
Para além de serem as únicas Gralhas-de-bico-vermelho existentes no sul de Portugal, as que vivem no concelho de Vila de Bispo são também singulares, sendo a única população que se reproduz nas falésias costeiras do país. Acredita-se que esta população isolada esteja totalmente desconectada de outras, uma vez que estas aves são residentes não migratórias e muito raramente fazem excursões fora das suas áreas preferidas. Consequentemente, qualquer declínio nesta população não pode ser facilmente complementado por outras.
Como é típico da espécie, no concelho de Vila de Bispo a Gralha-de-bico-vermelho passa as noites a descansar em dormitórios nas falésias costeiras e de foma atarefado, alimenta-se durante o dia num mosaico de pastagens extensas, perto do oceano. As belas paisagens são criadas pela prática tradicional de agricultura de rotação lenta de cereais de sequeiro para produção de feno, que resulta em pastagens extensivas para ovelhas e vacas. Estas práticas ancestrais são vitais para a existência desta ave e, felizmente, ainda estão vivas atualmente.
O reconhecimento da fragilidade da existência desta ave extraordinária em Portugal e a sua dependência das práticas agrícolas tradicionais são os principais factores que impulsionam esta iniciativa. O nosso projeto está a trabalhar para identificar as áreas de alimentação e reprodução mais importantes, bem como o número real da população. Entre outros aspectos, estamos também a investigar quais as práticas de gestão do solo mais favoráveis nesta área e estamos a interagir com a comunidade agrícola local para adquirir conhecimentos locais adicionais para este fim.
Espera-se que este projeto promova e ajude a apoiar os pastores e agricultores locais que muitas vezes batalham para continuar a manter o modo de vida que cria estes habitats. Desta forma, pretende-se assegurar a continuidade da presença da Gralha-de-bico-vermelho em Vila de Bispo, em conjunto com uma agricultura local mais sustentável para a comunidade a longo prazo. Não podemos assistir ao desaparecimento gradual destas aves, que são tão presentes na identidade de Vila do Bispo como a sua própria paisagem.


